12 HOMEMS E UMA SENTENÇA – ROTEIRO ANALISADO

“12 Homens e uma Sentença” é um filme de 1957, com roteiro de Reginald Rose, que venceu o prêmio do Sindicato dos Roteiristas e foi indicado a três Oscars: melhor filme, melhor roteiro e melhor direção, para Sidney Lumet. Não é à toa que ocupa o quinto lugar no IMDb como um dos melhores filmes de todos os tempos. E a gente vai mostrar aqui por que esse roteiro é tão bom e deve ser estudado.

QUEBRANDO AS REGRAS

“12 Homens e Uma Sentença” é uma história de tribunal que não mostra o julgamento. Ela se passa interiamente na sala do júri. O filme nos apresenta desde o início a base da história: doze jurados que precisam decidir o destino de um rapaz. Se for culpado, cadeira elétrica. Se for inocente, liberdade. A decisão precisa ser unânime.


O roteiro quebra algumas regrinhas, que costumamos ler em manuais: não coloque seus personagens falando muito (os doze jurados debatem o caso o tempo todo), não apresente todos os personagens de uma só vez (somos apresentados aos doze homens logo de início) e não coloque nomes parecidos em seus personagens para não confundir o público (nesse filme ninguém tem nome, todos são “jurado número um”, “jurado número dois”, “jurado número três” e assim por diante, o que até poderia confundir o público, mas não confunde por conta da personalidade marcante de cada um deles).

PERSONAGENS MARCANTES

Já na primeira sequência do filme, um personagem reclama do calor e diz que aquele dia seria o mais quente do ano. Isso é uma grande metáfora para todos os conflitos que vão acontecer entre aqueles doze homens. E, nessa primeira sequência, antes de começarem a debater o caso, vamos aprender um pouquinho sobre cada um desses personagens.


Eles não têm nome e são apresentados pela profissão. Isso tem um porquê. O objetivo dessa fábula é mostrar alguns estratos da sociedade e criar identificações genéricas. Através de alguns elementos que você se pega pensando “opa, eu conheço uma pessoa assim”. São arquétipos.


Aos poucos vamos conhecendo o caso e um pouco mais sobre cada personagem. O réu é um rapaz pobre, que está sendo acusado de ter matado o pai com uma faca. Todos os jurados estão muito certos de que o rapaz é culpado e votam por condená-lo. Menos o jurado número oito, que afirma que precisavam discutir mais o caso, afinal era a vida de um homem em jogo e ela não deveria ser decidida em cinco minutos. E é nesse momento que entramos no segundo ato da história, quando cada um dos jurados conta para o jurado número oito por que acha que o rapaz é culpado.

DECIFRANDO O ENIGMA

Só então começamos a ter uma profundidade maior sobre o caso. O filme não nos mostra o julgamento com a exposiçao dos advogados, então só contamos com a visão dos jurados para elucidar o crime. Isso é bem interessante pois, como o filme é muito verborrágico, cada peça que eles nos dão é um enigma que tentamos decifrar junto a eles. E por isso o público vai se engajando cada vez mais.


Note que eles fazem perguntas o tempo todo: “você acha que é possível ver através de uma janela, com um trem passando, a outra janela do outro lado?”. Perguntas como essa começam a aguçar a curiosidade dentro do público, ativando seu lado detetive. E cada vez que um jurado expõe o que acha sobre o caso, ele acaba expondo também como é sua visão de mundo. Isso vai revelando cada vez mais sobre o personagem e sobre a trama, tudo através do diálogo. As falas não são apenas expositivas, somente para explicar o caso. Os personagens também colocam suas opiniões pessoais. E ao mostrar suas opiniões, esses personagens vão se expondo.

DIÁLOGOS REVELADORES

“12 Homens e Uma Sentença” é muito interessante para aprendermos a escrever bons diálogos. Através da exposição de suas opiniões, os personagens vão se contradizendo e mudando a forma de pensar. O jurado número sete, por exemplo, é um vendedor, está mais preocupado com o jogo de beisebol, adora fazer piadinhas, bater nas pessoas e usar gírias esportivas. O jurado número onze, que é relojoeiro e precisa ser muito preciso e minucioso em seu trabalho, também é assim na hora de se expressar. Já o jurado número dez, um homem preconceituoso, que diz ser dono de três garagens, termina todas suas frases com “vocês estão me entendendo?”, pois é assim que deve falar com seus funcionários.


Dessa forma, nesses pequenos detalhes, o roteiro vai encorpando os personagens e dando mais profundidade para aqueles estereótipos. Do outro lado, o público vai observando e se aproximando ou se afastando de cada um deles. E, como não existe nenhum tipo de conflito físico, a única coisa que é capaz de nos mostrar a fragilidade de um personagem é quando ele perde um debate, quando cai na armadilha de seus próprios argumentos.


O jurado três, por exemplo, é um homem violento, que bate na mesa, grita e mostra sua raiva o tempo todo. Mas quando jogamos muita energia para nossa força, falta energia para nossa mente. Então, toda hora ele é pego por seus próprios argumentos. Em algum momento ele fala que o garoto disse para o pai que iria matá-lo e, quando alguém rebate dizendo que as pessoas falam isso umas para as outras na hora da raiva, ele argumenta que nunca falaria isso. Mas não demora muito para explodir e dizer que vai matar outro jurado. Em outro momento ele diz que a faca que o garoto usou é única, que nunca vai existir outra igual, mas o jurado número oito crava uma faca igualzinha na mesa, como se estivesse cravando a dúvida no peito de todos aqueles jurados.

O PODER DOS ARGUMENTOS

É interessante observar como esse filme vai se desenvolvendo, com os jurados mudando suas convicções de que o garoto é culpado para considerá-lo inocente, através dos argumentos formados por suas personalidades, que vão sendo aos poucos quebrados e reconstruídos. Quando o jurado número cinco, que também veio do mesmo estrato social que o réu e que, portanto, também lidou com violência na infância, acha que o garoto não é culpado e começa a apresentar várias questões duvidosas na apresentação do caso, as opiniões parecem mudar. Quanto mais vão minuciando os fatos e recriando certas situações, mais os jurados vão mudando suas convicções.


Mas alguns, é claro, não vão mudar tão facilmente de opinião. E, no final do segundo ato, os jurados vão ter que enfrentá-los. Um deles é o empresário preconceituoso. Seu preconceito é combatido pelos demais jurados, que se viram de costas para ele, em uma atitude de negativa. Já o jurado número quatro, corretor da bolsa de valores, que diz nunca suar por ser frio e calculista, mostra o primeiro sinal de fraqueza ao ser questionado sobre detalhes do filme que assistiu na semana anterior e não conseguir responder, caindo um pingo de suor de sua testa. Mas a única coisa que o convenceu a mudar de opinião foi quando o jurado mais velho, também mais observador, questionou sobre o fato de a testemunha estar sem óculos e, portanto, não ter enxergado direito. Os óculos, nesse caso, como uma metáfora da necessidade de se olhar por um outro ponto de vista.


O confronto final, o grande clímax desse filme, é conseguir convencer o jurado número três a mudar de opinião. Ele, que é tão raivoso, experiente em júris, cheio de anotações. Mas ele mesmo vai se observando e vendo como sua agressividade o afastou da família e o está afastando também daquele grupo e, consequentemente, da verdade. Com a redenção final desse personagem, todos finalmente votam pela inocência do réu.

MAIS PALMAS PARA O DIÁLOGO

É importante observar que são os detalhes do diálogo que deixam o filme dinâmico. Se fosse um eterno blablablá, o público iria sair na metade da história. E, se ela fosse muito maior, talvez cansasse um pouco. Mas “12 Homens e Uma Sentença” não dá tempo de você respirar. Consegue nos despertar um grande interesse ao não apresentar o caso. Conforme temos que juntar as peças com os jurados, vamos ativando constantemente nosso cérebro. Além disso, também temos que tentar descobrir quem são e como cada um desses jurados pensa. Os detalhes dos diálogos vão nos mostrando pouco a pouco, revelando todo o cuidado que tiveram na hora de construir essa história. Fez toda a diferença.


Esse filme é super atual, poderia se passar não em uma sala de jurados, mas em um grupo do WhatsApp que você pertence. Onde tem gente preconceituosa, agressiva, gente que não está nem aí para o que está sendo debatido porque só pensa em futebol, gente que muda de opinião porque a maioria pensa assim, e por aí vai. A diferença é que lá não vale sair do grupo, é treta até o final.

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Eu sou Claudio Formiga!

Nascido no Rio de Janeiro, me graduei em Comunicação pela UFRJ. Comecei minha carreira de roteirista ainda na primeira geração na internet, escrevendo em sites de humor e televisão.

Eu sou Claudio Formiga!

Nascido no Rio de Janeiro, me graduei em Comunicação pela UFRJ. Comecei minha carreira de roteirista ainda na primeira geração na internet, escrevendo em sites de humor e televisão.